segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Lauras e Josés – LENAD Família

Laura teme que seu irmão use drogas até o fim de sua vida, bem como, 21% das pessoas entrevistadas no Lenad Família (Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos).
Por Adriana Moraes
O crack chegou à casa dos irmãos Laura de 32 anos e José 40 anos com seu alto poder destrutivo.
Essa droga com efeito estimulante tem se tornando presente em muitos lares, não importando a idade, sexo, nível social, como aconteceu na família dos irmãos. José se tornou um dependente do crack e seus familiares não se deram conta do problema.
Os pais de Laura e José se separaram quando os dois eram pequenos. José nunca aceitou a separação e sempre dava um jeito de ir para a nova casa do pai, para ficar junto com a outra família, já a Laura sempre tranquila vivia com a sua mãe, mas sentia a falta do pai, especialmente em datas importantes. José sempre sofreu com a separação dos pais, cresceu cheio de problemas e acabou se envolveu com as drogas, iniciou com a maconha e depois rapidamente começou a usar cocaína e como acontece com muitos passou a ser um escravo do crack.
Laura vivia feliz e sem problemas, conheceu o Sérgio e ele logo lhe informou que usava a erva e ela pensou: “como pode um moço tão lindo usar maconha” e foi pesquisar a tal erva, desconfiava que José usava drogas, mas ao mesmo tempo ignorava, já com novo amigo sentiu interesse em estudar e a partir dai passou a se dedicar ao estudo da dependência química.
Nas suas leituras aprendeu que existem estágios de motivação para mudança e uma tal redução de danos, tudo que aprendia pensava no Sérgio, mas parecia que apagou o lado triste e sofrido de José, nos estágios de motivação identificou em qual estágio o moço se encontrava, ele ainda não percebia os problemas que o uso da maconha lhe causava, estava na pré-contemplação.
Ela adorava conversar com o amigo sobre a maconha, ele sempre dizia que era um caso perdido, Laura em suas pesquisas descobriu que fumar maconha produzia mudanças bastante rápidas no humor, percepção de tempo, memória e outros aspectos da função cerebral e que os efeitos mais desejados eram uma sensação de euforia, relaxamento e bem-estar geral, seu amigo concordava com esses efeitos desejados e dizia que maconha não era droga, apenas uma planta, folhas, sempre rindo!
Laura perguntou ao seu amigo: “você sabe como a erva chega ao seu cérebro?”. Ele sorrindo respondeu: “o caminho eu não sei, mas que chega isso chega sim!” Laura percebeu o quanto o uso de drogas era prejudicial. Ela tentava lhe explicar dizendo: “Depois que a pessoa fuma a erva, em geral, sente-se eufórico e, em seguida, fica relaxado e sonolento. Após tragar a fumaça produzida pela maconha, ela chega aos pulmões seguindo para a corrente sanguínea, a fumaça atinge o coração em segundos, a seguir chega ao sistema nervoso central o que causa as alterações sensórias”, ele ria e dizia “opa valeu”!
Laura pegou as informações sobre a maconha no livro: “Tratamento psicológico do usuário de maconha e seus familiares”, até pensou em comprar um exemplar para seu amigo, mas percebeu que nesse estágio ele não iria sequer abrir e muito menos ler, ela sentia pena de seu amigo.
Quando encontrava seu irmão, não conversavam sobre drogas, muitas vezes também sentia pena dele e pensava será que ele usa mesmo? Por que? O que é o crack? José sempre foi muito alegre, comunicativo, mas não tinha muita sorte, alguma coisa fazia com que ele não progredisse e Laura pensava será o uso de crack?
José se casou e sua esposa dizia que ele ficava 03 dias sem aparecer e quando voltava estava sujo e acabado. Laura sentia-se mal em falar com sua cunhada, mas às vezes não acreditava que seu irmão pudesse estar nessa situação horrenda e passou a evitá-la.
A jovem Laura sabia tudo sobre a maconha até que um dia leu que a maconha poderia ser a porta de entrada para outras drogas e então pensou em José, lembrou-se de seu irmão, começou a imaginar seu irmão se acabando nas drogas e pela primeira vez sentiu um desespero e medo de perder seu irmão para o crack.
Percebeu que José realmente usava, o porquê ela nem imagina, o que é o crack ela pesquisou e descobriu que o crack é a uma droga com o poder de destruição, um prazer quase fatal , o usuário queima a pedra em cachimbos improvisados em latinhas de alumínio ou tubos de PVC e aspira a fumaça.
Laura pensou como será que o crack chega ao cérebro e assim como fez com a maconha resolveu pesquisar e descobriu que a fumaça tóxica do crack atinge o pulmão, penetra a corrente sanguínea e chega ao cérebro em segundos, aprendeu que o efeito do prazer acaba rapidamente, fazendo com que o dependente faça o uso novamente, não tendo mais controle no impulso de consumir. Ela, então, despertou e viu como era grave a dependência de seu irmão e pensou quantas pessoas assim como ela não enxergam o problema ou preferem fingir que não é tão grave assim, Laura sentiu pavor.
Finalmente criou coragem e conversou sobre drogas com o irmão e pediu para que ele que deixasse o crack e passasse a usar a maconha, depois ela se sentiu mal, porque ao invés de ajudá-lo a sair deste problema tentou o método de redução de danos, no desespero e pela falta de experiência pediu para seu irmão usar maconha e esquecer o crack, quanta ingenuidade.
Laura não é uma profissional da área da saúde, mas em desabafo falou: “me perdoem os profissionais que trabalham com a redução de danos, não faz sentido continuar oferecendo outra droga na intenção de ajudar, a maconha é totalmente prejudicial à saúde, é um alucinógeno, uma droga psicoativa perturbadora do sistema nervoso central, mesmo porque se José iniciou com a maconha não vai retornar depois de ter usado crack”.
Só quem sai ganhando nessa história são os traficantes, profissionais do tráfico, canalhas que faturam encima dos dependentes. E o moço bonito da história, o Sérgio corre o risco de mudar para o crack? Com certeza sim, talvez até mesmo por curiosidade.
Laura passou a compreender que a dependência química é uma doença crônica e que o dependente químico necessita de um tratamento com urgência, também percebeu que muitos não pedem por ajuda, inclusive José. Laura faz parte dos 28 milhões de familiares que sofrem com um dependente químico, os dados são da pesquisa do LENAD Família (Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
José se separou e está morando com a irmã e disse que iniciou um tratamento e Laura ficou feliz, que maravilha, seu irmão está em recuperação e ele até falou que quer fazer exame toxicológico para comprovar que está limpo, a saúde está vencendo, Laura pensou: “até que foi fácil”.
Mas, Laura ficou confusa porque mexeu nas coisas de seu irmão e achou latinhas vazias, bitucas de cigarro e um cachimbo, quantas mentiras ele continua usando e agora sobre seu teto, o que fazer, a quem pedir ajuda se ele mesmo não quer se ajudar e esse crack maldito como acabar com ele?
Que loucura! Ele diz que parou e está usando na casa da irmã, José perdeu a noção, só pensa na droga e o efeito do crack é devastador. O crack age de maneira tão agressiva no corpo do usuário que não permite que ele entenda a gravidade da sua situação, ao mesmo tempo em que ele diz que está fazendo um tratamento, ele continua usando e está se acabando e junto com ele a Laura sofre e não sabe o que fazer.
José parece um artista porque fala de uma forma clara de que não usa mais e quer fazer o exame, que pena, qual será o final de José?
Quantos Josés e quantas Lauras passam por esse problema no momento?  Quanto sofrimento, desespero, angústia, como uma droga pode ser mais importante que uma família? Qual a saída? Ou será que existe uma saída?
Para aumentar o sofrimento de Laura, José foi embora, desistiu de tudo e foi morar na rua, inacreditável, como uma pessoa alegre, inteligente, pode abandonar tudo por causa de uma droga? Que final triste, José virou um morador de rua, não consegue mais viver sem o crack.
Acabou responsabilidade, acabou atenção para com a família, sua higiene pessoal já não tem mais importância, um morador de rua usuário de drogas, deseja apenas manter seu vício, se vai para a rua é justamente para não ter mais nenhum tipo de cobranças, resumindo para o José acabou tudo, aos poucos ele está se transformando em um nada, desistiu de tudo por troca de um prazer ilusório que dura pouco, José vai se misturar com o lixo e dividir os espaços com os ratos, o crack até o presente momento venceu.
Como pode uma simples pedra, tão pequena, ter um poder tão grande de destruição? Laura teme que seu irmão use drogas até o fim de sua vida, bem como, 21% das pessoas que participaram da pesquisa realizada pelo Lenad Família (Levantamento Nacional de Famílias dos Dependentes Químicos). Outro dado importante, os pesquisadores mostraram que 22,7% acreditam que a falta do pai foram os fatores de riscos mais relevantes que levaram ao uso. José desde o início não aceitou a separação de seus pais, ele se encaixa nesse grupo.
O natal se aproxima, como comemorar uma data tão especial com seu irmão na rua? Outros falam: “ele escolheu, ninguém o obrigou, ele optou por viver esse esgotamento físico e mental”, mas, não é tão simples assim, temos que entender que ele é um doente e que nesse momento o crack é sua prioridade e que esse crack maldito está destruindo seu irmão e sua família.
E o ano novo? Como fazer planos para um ano melhor com seu irmão morando nas ruas? Como comemorar a chegada de um novo ano, com uma mesa farta, enquanto José está no meio do lixo? Como ter esperanças que em 2014 tudo será melhor?
Apesar de muita tristeza, Laura não vai desistir de seu irmão José, pensa seriamente na internação compulsória, mas, internar um dependente mesmo contra vontade, é a melhor decisão que Laura deve tomar nesse momento?
Desistir jamais. E a vida que segue…
*Nomes Fictícios
Adriana Moraes – Psicóloga Especialista em Dependência Química GREA/USP – Colaboradora da UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas).

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