terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Moradias assistidas são opção pós-internação por crack

Luis Kawaguti
Da BBC Brasil em São Paulo

Usuários de drogas na Cracolândia (foto: Getty Images) Casal usa drogas na Cracolândia, em São Paulo; tratamento pode ser em moradia assistida

O governo de São Paulo lançou um mecanismo médico e jurídico para agilizar internações forçadas para dependentes de crack no Estado. A iniciativa começou a funcionar na segunda-feira em um centro especializado próximo à Cracolândia, no centro da capital.
Segundo o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), em geral, as internações motivadas por dependência do crack não devem superar um período superior a dois meses.
saiba mais sobre Moradia Assistida: (clique aqui)
Depois disso, segundo o médico, o paciente deve ser levado para a casa de um familiar e submetido a um tratamento ambulatorial – frequentando clínicas ou centros médicos especializados regularmente.
Porém, grande parte dos frequentadores da Cracolândia não só perderam seus empregos e família, como por vezes não possuem vínculos familiares fortes o bastante para tornar essa realidade possível.
Laranjeira afirmou que uma alternativa para o governo nesses casos é enviar os viciados em recuperação para as chamadas moradias assistidas. Tratam-se de alojamentos onde o dependente de drogas recebe, além do teto, apoio para conseguir um emprego e recomeçar sua vida.
No exterior essas moradias são conhecidas como "halfway houses', (casas a meio caminho, em português) e têm como característica oferecer também um monitoramento do processo de desintoxicação.
Segundo Rosangela Elias, responsável pelo setor de tratamento de dependentes químicos da Secretaria de Saúde do Estado, São Paulo tem atualmente cerca de 300 vagas em moradias assistidas e residências terapêuticas estaduais e municipais.
Segundo o psiquiatra Antonio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria, independente de onde os dependentes em recuperação estiverem instalados, o governo precisa estudar medidas para obrigá-los a frequentar semanalmente as clínicas especializadas.

Melhorias

O psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira, também da Unifesp, afirmou que é necessário melhorar a qualidade do atendimento em parte da rede de clínicas de tratamento ambulatorial conhecidas como Capsad (Centros de Atenção Psicosocial Álcool e Drogas). Segundo ele, embora algumas sejam exemplares, outras ainda precisam melhorar.
Já Silva foi mais longe, afirmando que falta especialização na rede pública de atendimento médico em geral no Brasil.
"Não há treinamento específico direcionado e capacitado para isso (tratamento de dependentes químicos). São raras as ilhas de exceção, precisamos de treinamento especializadíssimo, pois é um processo de alta complexidade", disse.

Metodologias

Todos os especialistas ouvidos pela BBC Brasil concordam que deve haver um planejamento específico para o tratamento dos viciados em crack. Eles divergem porém sobre a metodologia a ser adotada.
Silveira, que é contrário à internação (exceto em casos específicos, como o de pessoas que corram risco de cometer suicídio ou sofram alucinações), disse que independente da forma de tratamento, as taxas de recuperação atualmente são muito baixas.
"Os melhores serviços do mundo têm taxas de eficácia de 35% a 40%, no máximo", disse.
Segundo ele, o tratamento ambulatorial deve promover a abstinência total das drogas em um primeiro momento.
Contudo, se o dependente não conseguir se desligar totalmente do entorpecente, uma abordagem de "redução de danos" deve ser empregada.
Isso significa que ele pode começar a diminuir aos poucos a quantidade de entorpecente utilizada e eventualmente substituí-la por outra substância tóxica, porém um pouco menos danosa que o crack.
Silveira estudou um grupo de 50 usuários de crack. A característica específica deles era o fato de afirmarem não ser capazes de lidar com a compulsão gerada pela abstinência da droga.
Todos afirmavam porém que quando usavam um cigarro de maconha conseguiam deixar de fumar o crack momentaneamente. Silveira passou então a endossar esse comportamento (sem prescrever entorpecentes, certamente).
"Foi um acompanhamento de um ano ao todo: 68% deles abandonou crack em três meses. Depois de seis meses esse grupo abandonou também a maconha", disse.
Já Silva afirmou que a abordagem de redução de danos não é recomendada pela Associação Brasileira de Psiquiatria.
O que todos os especialistas concordam porém é que o tratamento pode ser multidisciplinar. Ou seja, pode ser acompanhado de atividades esportivas e religiosas.
Mas eles dizem que a fé não pode substituir o tratamento clínico dos pacientes – o que ocorreria em algumas comunidades terapêuticas ligadas a religiões.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Legalização da maconha em Estados americanos preocupa profissionais de saúde

Roni Caryn Rabin
The New York Times

Nos anos 1960, a maconha era o símbolo da contracultura, juntamente com o amor livre, calças boca de sino, cabelo comprido e bandanas. Contudo, a maconha foi a única que sobreviveu ao teste do tempo.
Recentemente, o uso da maconha para fins de recreação tornou-se legal (dependendo da definição) nos Estados do Colorado e de Washington. Mais de uma dúzia de Estados descriminalizaram a posse de pequenas quantidades e Massachusetts recentemente se tornou o 18º Estado a permitir seu uso para fins medicinais.
Embora a lei federal americana ainda proíba a venda e a posse de maconha, o presidente Barack Obama afirmou que o governo federal tem "peixes maiores para pescar" e não irá processar usuários em Estados onde o uso é legalizado.
A ascensão da maconha como passatempo adulto é uma vitória para todos aqueles que consideram exagerados os seus perigos. Defensores da legalização argumentam que o uso de maconha é muito mais seguro que o de álcool, destacando que é praticamente impossível ter uma overdose de maconha.
Embora a maconha possa viciar, cientistas geralmente concordam que menos de 10% dos fumantes de maconha se tornam dependentes da droga, comparados com 15% dos usuários de álcool, 23% de heroína e 32% de tabaco. A maconha contém substâncias cancerígenas, incluindo alcatrão e outras toxinas similares às encontradas no tabaco, mas as pessoas geralmente não fumam maconha na mesma proporção que cigarros.
Contudo, a legalização ainda deixa os usuários em um território incerto. Muito embora a maconha seja a droga ilegal mais utilizada nos Estados Unidos, ainda não se sabe ao certo quais são seus efeitos para a saúde do usuário.
Mais potente
Para começar, esse não é o mesmo baseado da época de seus pais. A maconha de hoje em dia é muito mais potente: a concentração de THC, o ingrediente psicoativo da droga, na cannabis confiscada mais que dobrou entre 1993 e 2008.
O aumento da potência causa consequências inesperadas. Os receptores de canabinoides do cérebro humano geralmente são ativados por elementos químicos naturalmente produzidos pelo corpo, conhecidos como endocanabinoides e muito similares ao THC. Há uma grande quantidade de receptores de canabinoides em áreas do cérebro que afetam o prazer, a memória e a concentração. Algumas pesquisas sugerem que essas áreas continuam a ser afetadas pelo uso da maconha, mesmo depois que o "barato" acaba.
"É uma maconha muito mais potente, o que pode explicar porque vemos um aumento drástico de pessoas em prontos-socorros e programas de tratamento para usuários da droga", afirma Nora D. Volkow, diretora do Instituto Nacional do Abuso de Drogas.
Pessoas favoráveis à legalização da maconha afirmam que o aumento da potência está sendo exagerado e que quando usuários têm baseados mais potentes, acabam fumando menos.
Contudo, adolescentes podem ser mais vulneráveis ao vício e pessoas que começam a fumar mais jovens correm riscos maiores. Cerca de um em cada seis acabará viciado, afirma Volkow. Jovens adultos que começam a fumar maconha muito novos também tendem a fumar muito mais e com maior frequência que aqueles que começam no fim da adolescência.
Entre usuários que desenvolvem dependência ou vício, a falta da droga causa severos sintomas de abstinência, como ansiedade, problemas para dormir, falta de apetite, alterações de humor, irritabilidade e depressão, afirmam especialistas.
Tanto Colorado quanto Washington limitaram o uso de maconha para adultos com mais de 21 anos quando legalizaram o uso para fins recreativos, em novembro. Contudo, especialistas temem que as opiniões em relação à maconha estejam mudando porque seu estigma como droga ilegal praticamente não existe mais.
"Quando as pessoas vão a uma 'clínica' ou 'café' para comprar maconha, isso cria a percepção de que aquilo é seguro", diz A. Eden Evins, diretor do Centro de Medicina da Dependência do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston. "Antes de liberarmos as forças do mercado para convencerem as pessoas a usar essa substância viciante, precisamos entender melhor quais são os riscos."
"Assim que houver interesses financeiros envolvidos, vai ser difícil reverter essa tendência", acrescenta.
Funções cerebrais
Os estudos mais assustadores sobre o uso de maconha no início da adolescência mostram que jovens adultos que começam a fumar maconha regularmente antes dos 16 obtêm notas significativamente menores em testes cognitivos de função cerebral, quando comparados com jovens que começaram no fim da adolescência. Os resultados foram especialmente ruins em testes que avaliam a função executiva, responsável pelo planejamento e pensamento abstrato, bem como pela compreensão de regras e inibição de reações inapropriadas.
Além disso, exames revelaram diferenças sensíveis no funcionamento do cérebro, afirmou Staci Gruber, principal autora desses estudos e diretora de neuroimagiologia clínica e cognitiva no Hospital McLean, em Boston. Exames revelam alterações no córtex frontal cerebral entre usuários que começaram cedo, afirmou Gruber, o que pode estar ligado à impulsividade.
"O córtex frontal é a última parte do cérebro a entrar em ação e a mais importante", afirma Gruber. "A exposição precoce pode mudar a trajetória do desenvolvimento cerebral, comprometendo a capacidade de realizar tarefas complexas da função executiva."
O mais preocupante é um estudo recente mostra uma queda no Q.I. de adolescentes que fumam maconha, afirmou Evins. Estudos mais recentes revelam que pessoas que começaram a fumar maconha na adolescência e continuaram a consumir frequentemente a droga nas décadas seguintes perderam pontos no Q.I. ao longo do tempo, ao passo que pessoas que começaram na idade adulta não tiveram os mesmo problemas, embora críticos afirmem que as diferenças não sejam significativas. Estudos mais antigos indicam que fumantes regulares tinham menos chances de se formarem na faculdade e seguirem carreira acadêmica, mas é impossível dizer o que vem antes, dificuldade na escola ou uso de drogas.
"Se pais que gastam milhares de dólares em cursos preparatórios para o vestibular soubessem dos efeitos cognitivos da maconha no cérebro de seus filhos, formariam uma frente de batalha", afirmou Evins.
Outros problemas de saúde ligados à maconha não são tão bem documentados, mas podem ser igualmente significativos. Os estados que legalizaram a maconha proibiram dirigir depois de fumar e estudos descobriram que o consumo de maconha piora a capacidade de se manter na pista e de reagir a perigos no trânsito.
Embora a maconha não seja tão prejudicial ao pulmão quanto o tabaco, em parte porque as pessoas não fumam um maço de baseados por dia, o hábito regular pode causar danos aos pulmões.
No melhor dos casos, os novos estudos sugerem que os pais que se lembram das próprias noitadas de fumo devam sugerir mais moderação aos filhos. E os adolescentes que ainda quiserem experimentar maconha terão melhores resultados se esperarem até ficarem mais velhos.
"É a mesma mensagem com o álcool", afirma Gruber. "Aguente um pouco, vale a pena esperar."

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Pesquisa aponta motivos pelos quais jovens optam por não usar ecstasy


Objetivo do trabalho feito na Unifesp é levantar informações que ajudem a estruturar programas de prevenção e de redução de danos relacionados ao consumo da droga (Wikimedia)
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Os motivos que levam os jovens a consumir drogas como o ecstasy (metilenodioximetanfetamina) são bem conhecidos e entre eles se destacam a curiosidade, a busca por sensações de prazer e a influência de pessoas próximas.
Mas para entender as razões pelas quais muitos optam por não usar ou por interromper o consumo da droga, pesquisadores do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) realizaram um estudo qualitativo com frequentadores de festas rave – apontadas em levantamentos anteriores como locais de fácil acesso a esse tipo de substância.
“Nosso objetivo era entender quais são os freios que levam essas pessoas a optar por não usar a droga mesmo diante de uma oportunidade. Essas informações oferecem subsídios para programas de prevenção”, contou Ana Regina Noto, coordenadora da pesquisa apoiada pela FAPESP.
Os resultados da investigação, feita com 53 jovens com média de idade de 26 anos, foram publicados em artigo na revista BMC Public Health, pertencente ao grupo BioMed Central.
O trabalho foi realizado durante o mestrado de Maria Angélica de Castro Comis, que contou com Bolsa da FAPESP.
Para selecionar os voluntários, os pesquisadores recorreram ao método conhecido como “bola de neve”, no qual um entrevistado indica outro possível participante com perfil adequado. Era critério de inclusão ter tido pelo menos uma oportunidade concreta de consumir a droga ou estar há um ano sem usar.
A amostra foi dividida em três grupos. O de não usuários, composto por 23 entrevistados, compreendia aqueles que nunca haviam experimentado ecstasy. O grupo de usuários leves ou experimentais era composto por 12 jovens que usaram menos de cinco vezes na vida. Já os 18 voluntários que disseram ter usado cinco ou mais vezes, mas haviam parado há mais de um ano, foram considerados usuários moderados.
“Os grupos de não usuários e de usuários experimentais alegaram motivações parecidas, que incluem o medo dos efeitos adversos e valores pessoais, sejam eles familiares ou religiosos, incompatíveis com o consumo dessa droga”, contou Noto.
Já entre os usuários moderados o principal motivo para a interrupção do uso foi a experiência de complicações físicas, psicológicas ou sociais. Os problemas mais citados foram dores musculares, ranger de dentes, mal estar no dia seguinte, perda de memória e dificuldade de concentração.
Segundo Noto, a droga atua como alucinógeno e estimulante e afeta diferentes sistemas de neurotransmissão no cérebro, como o serotonérgico, o dopaminérgico e o noradrenérgico. A gama de efeitos, portanto, é ampla. Entre os positivos há a melhora do humor e da percepção sensorial, euforia e inibição do cansaço. Entre os negativos estão arritmias cardíacas, hipertermia e aumento da pressão arterial – reações potencialmente fatais em pessoas suscetíveis a complicações cardiovasculares.
“Como os usuários costumam passar noites muito agitadas após consumir a droga, é comum sentirem cansaço extremo nos dias seguintes, dificuldade de concentração e sensação de tristeza similar a de quadros depressivos. Em muitos casos, isso atrapalha o desempenho nos estudos ou no trabalho, sendo um dos motivos para que se interrompa o uso”, disse Noto.
Comis, porém, ressaltou que a maioria dos usuários moderados afirmou que voltaria a usar a droga caso tivesse oportunidade. “Muitos pararam com o uso crônico pelo afastamento do contexto de uso, ou seja, houve mudanças no ciclo de vida, como término da faculdade ou casamento, que fez com que parassem de frequentar as festas”, disse.
Esse dado, acrescentou, mostra a importância de se estruturar programas também voltados à redução de riscos e danos relacionados ao uso da droga. “Conhecendo o discurso dos usuários, podemos pensar numa proposta de intervenção mais interessante, seja para a prevenção ou para a redução de danos. Se a gente chega com algo pronto fica mais difícil estabelecer um diálogo ético e flexível”, disse Comis.
Para Noto, saber as diferentes motivações que levam uma pessoa a nunca usar drogas ou a experimentar e interromper o uso permite planejar intervenções individualizadas e mais eficazes.
“Já que mesmo vivenciando complicações esses usuários não descartam voltar a usar a droga, temos de usar todas as possibilidades de intervenção. A prevenção é uma delas, informando as pessoas sobre os riscos nos contextos em que usam a substância. A redução de riscos e danos é outra, treinando pessoas que estão nas raves para lidar com eventuais problemas que possam surgir”, disse Noto.
Novos contextos
Outro dado novo revelado pela pesquisa é que o uso de ecstasy não está mais limitado ao cenário da música eletrônica na cidade de São Paulo. “Pudemos perceber entre os voluntários que também é comum hoje o uso em micaretas, rodeios, churrascos e até festas de casamento e formaturas”, contou Comis.
De maneira geral, segundo dados recentes da Organização das Nações Unidas (ONU), o consumo de drogas sintéticas aumentou em toda a América Latina nos últimos anos. “Também cresceu a proporção de comprimidos contaminados, elevando os riscos de efeitos adversos”, disse.
Em muitos casos as pílulas de ecstasy vêm misturadas com outros estimulantes, entre eles vermífugos para uso animal. “Há comprimidos misturados com ácido acetilsalicílico, a aspirina, que pode causar reações graves em pessoas alérgicas”, alertou Comis.
Em 2010, um estudo realizado na Universidade de São Paulo (USP) com 12,7 mil universitários de todo o Brasil apontou que 7,5% dos entrevistados já haviam consumido ecstasy pelo menos uma vez na vida, sendo que 3,1% o fizeram nos últimos 12 meses e 1,9%, nos últimos 30 dias.

Um ano após operação no Centro de SP, cracolândia resiste e ganha filiais

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Número de vias com usuários monitoradas em SP aumentou de 17 para 33.
Em vez de buscarem tratamento, dependentes se espalharam pela cidade. 

G1
Kleber Tomaz e Paulo Toledo Piza Do G1 São Paulo
Usuária caminha no corredor norte-sul, movimentada via de SP (Foto: Paulo Toledo Piza/G1)
Ao lado de ponto onde usuários de crack se reúnem na Avenida 23 de Maio, em São Paulo, mulher aguarda para atravessar pistas do Corredor Norte-Sul (Foto: Paulo Toledo Piza/G1)

Um ano após a Prefeitura de São Paulo e o governo estadual intensificarem as ações contra o crack, a chamada cracolândia no Centro da capital resiste e ganha "filiais".
Dados da administração municipal e da Defensoria Pública, relatos de policiais militares, guardas-civis e ex-dependentes químicos, além de flagrantes do G1, indicam que ruas e avenidas da região central seguem ocupadas por usuários e traficantes de drogas. Moradores de bairros das zonas Sul, Norte, Leste e Oeste da cidade também passaram a conviver com usuários reunidos em minicracolândias (veja o mapa abaixo).
mapa_cracolandias_sao_paulo_300 (Foto: Editoria de Arte / G1)
(O G1 publica, nesta semana, uma série de reportagens sobre o consumo de crack e como é feito o tratamento de dependentes. Foram ouvidos os órgãos públicos responsáveis pelo atendimento aos usuários e pelo combate ao vício, como o Ministério da Saúde e Secretaria Nacional de Segurança Pública, além de pesquisadores, médicos e pacientes. O governo federal liberou recursos para estados e municípios sem conhecer a dimensão do problema.)
Em 3 de janeiro de 2012 foi intensificada a Operação Integrada Centro Legal, com objetivo de combater o tráfico e dar tratamento aos usuários com ações de agentes de saúde, sociais e da Polícia Militar e Guarda Civil Metropolitana.
Especialistas ouvidos pela reportagem apontam alguns dos motivos que explicam a continuidade e a expansão da cracolândia, entre eles a falta de organização da ação. Além disso, decisões judiciais que impediram a repressão ao consumo de drogas pelas forças de segurança, truculência da PM e da Guarda Civil Metropolitana (GCM) e falta de internação compulsória dos viciados também foram citadas como causas dos problemas.
Depois de a operação começar, o número de vias da região frequentadas por usuários saltou de 17 para 33. O levantamento é da Coordenadoria de Atenção às Drogas, órgão ligado à Secretaria de Participação e Parceria da Prefeitura. Agentes da pasta tiveram de ampliar o monitoramento das vias no Bom Retiro, Santa Cecília e República. Os craqueiros se espalharam após forças policiais tentarem expulsá-los da Luz.
Alegando que os dados são irrelevantes diante de toda a ação, a administração pública não forneceu à equipe de reportagem o mapa atualizado com os nomes das ruas e avenidas.
A Operação Integrada Centro Legal existe desde 2009, mas, no início do ano passado, quando passou a contar com policiais militares e guardas-civis, parte dos viciados da cracolândia começou a migrar para outras regiões da cidade, numa fuga chamada por eles de "procissão do crack". De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, já foram identificados grupos de viciados em entorpecentes em dez bairros: Sé, Santa Cecília, República e Bela Vista (no Centro); Cambuci e Itaim Bibi (Zona Sul); Pari (Zona Norte); Mooca e Belém (Zona Leste); e Barra Funda (Zona Oeste).
Mulher caminha ao lado de usuários de crack na Praça da Sé, na região central (Foto: Paulo Toledo Piza/G1)
Mulher caminha próxima a usuários de crack na Sé,
região central de SP (Foto: Paulo Toledo Piza/G1)
Apesar de dependentes continuarem a usar drogas na cracolândia, o secretário municipal da Saúde na gestão do prefeito Gilberto Kassab (PSD), Januario Motone, afirmou que a ação da pasta teve êxito. "Melhoramos a saúde dessas pessoas. Elas tinham tuberculose e outras doenças", disse o secretário, comemorando a atuação dos agentes de saúde, que oferecem tratamento aos viciados.
De acordo com Montone, como a internação dos usuários é voluntária, dados mostram que a maioria desiste do tratamento e volta às ruas. "Não existe política de combate à droga. Temos o número de 71% de pessoas viciadas que desistem do tratamento, segundo dados mais recentes. Isso porque São Paulo é a única cidade com 300 vagas para clínicas terapêuticas".
Segundo a pasta, até 19 de dezembro foram feitas 89.291 abordagens, que resultaram em 11.279 encaminhamentos para serviços de saúde e 1.363 internações para tratamento de dependência química.
Cracolândia
Na Luz, a maior concentração de usuários continua sendo vista na esquina da Rua Helvétia com a Alameda Dino Bueno, segundo policiais e guardas que pediram para não terem os nomes divulgados. Grupos de 200 a 500 viciados, entre homens, mulheres, idosos e até crianças, perambulam com cachimbos artesanais e latinhas de refrigerantes amassadas para fumar o crack na frente de bases móveis da PM e GCM. Os agentes da lei alegam que não podem fazer nada.
"Desde que a Justiça nos proibiu de revistar e abordar suspeitos na cracolândia, eles não se intimidam com as nossas presenças", falou um guarda-civil sobre a decisão da Justiça de impedir a exposição de dependentes químicos à situação "vexatória, degradante ou desrespeitosa" na região.
A determinação judicial proíbe a polícia de retirar usuários de droga das calçadas e ruas. O pedido foi feito pelo Ministério Público logo após a Operação Integrada Centro Legal, em janeiro de 2012. A Promotoria também ajuizou uma ação civil pública cobrando R$ 40 milhões do estado pela operação, considerada pelos promotores um "fracasso", que "violou direitos humanos" e trouxe prejuízos para a toda sociedade.
O Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de São Paulo recebeu quase 80 denúncias de agressões de policiais contra usuários no início do ano passado na cracolândia. "Verificamos violações aos direitos das pessoas, truculências da PM e violação grave aos direitos das pessoas que estavam ali", disse o defensor público Carlos Weiss, coordenador do núcleo.
"Toda e qualquer pessoa é portadora de direitos inalienáveis. Não existe autorização para espancar quem é fora da lei, usuário, etc. O intuito de dispersão para pessoas que precisam de saúde é inaceitável", afirmou a defensora Daniela Skromov de Albuquerque.
Desde que a Justiça nos proibiu de revistar e abordar suspeitos na cracolândia, eles não se intimidam com as nossas presenças"
Guarda municipal
Verificamos violações aos direitos das pessoas, truculências da PM e violação grave aos direitos das pessoas que estavam ali"
Carlos Weiss, defensor público
Sem ações de repressão policial, como a ocorrida no início do ano passado (veja foto abaixo), traficantes também encontram facilidade para agir na cracolândia. "Se há consumo é porque há tráfico", disse um policial militar. Cada pedra é vendida por preço que varia entre R$ 5 e R$ 10. Quem é viciado chega a fumar até 15 delas por dia.
"No começo [após a ação da PM] a gente teve dificuldade em encontrar o crack. Teve gente que foi para outras regiões, mas voltou depois. Depois dessas decisões a nossa situação ficou melhor. Teve menos rigidez dos guardas", afirmou ao G1 Paulinho, viciado que há anos frequenta a cracolândia. "O que é mais difícil fica mais prazeroso".
Nos primeiros dias da ação integrada na cracolândia, o poder público investiu contra pontos de uso e tráfico, fechando seus acessos e aumentando a vigilância em suas cercanias. Os viciados, porém, rapidamente se adaptaram à nova realidade e encontraram alternativas para manter o vício, como buracos em viadutos e canteiros de movimentadas vias.
Quem passa pelas avenidas 23 de Maio e Jornalista Roberto Marinho, por exemplo, se depara com pessoas sob efeito da droga caminhando entre os veículos. São moradores de rua e pessoas que abandonaram emprego e família. Passaram a viver nas vias ou em pensões para alimentar o vício. Eles são os protagonistas da cracolândia e das minicracolândias.
Policiais ocupam Rua Helvétia, que foi tomada por viciados (Foto: Nilton Fukuda/Agência Estado)Ação policial gera tumulto na Rua Helvétia, no início de 2012 (Foto: Nilton Fukuda/Agência Estado)
Longe dos olhos das pessoas, os viciados se matavam e as meninas e meninos de 13 anos faziam sexo com os mais velhos em troca de pedra. Eu sei porque passei dois anos dentro destes casarões"
Fabian Penyy Nacer,
consultor e ex-dependente de crack
Centro
Na região central, parte da Praça da Sé chega a ficar intransitável por causa dos usuários. "Aqui sempre teve bêbado perto da igreja [catedral]. Agora tem os 'craqueiros' que ficam do outro lado, numa sujeira só", afirmou um funcionário de uma banca que não quis ter o nome revelado. "É bem difícil passar por lá. Toma cuidado para não ser roubado", alertou.
Andar em grupos é uma estratégia adotada pelos viciados. Além de garantir a segurança deles, isso facilita na hora de fugir da polícia. "Eles conseguem se espalhar e não perdem a droga que ainda possuem", disse o consultor no tratamento e prevenção de droga Fabian Penyy Nacer, ex-viciado em crack. "Os traficantes se misturam com os usuários e não são pegos com tanta facilidade".
Nacer contou que apenas um terço dos usuários mora nas ruas. A maioria se refugia em hotéis baratos, casarões e terrenos abandonados para fumar sem ser incomodado. "Longe dos olhos das pessoas, os viciados se matavam e as meninas e meninos de 13 anos faziam sexo com os mais velhos em troca de pedra. Eu sei porque passei dois anos dentro destes casarões".
O G1 também notou a presença de viciados em ruas e avenidas que antes eram frequentadas por moradores de rua. Ainda no Centro, há a Rua Amaral Gurgel, sob o Elevado Costa e Silva (popularmente conhecido como Minhocão), onde os usuários aproveitam o canteiro central, pouco frequentado por pedestres, e usam a droga sem se importar com o movimento intenso de veículos.
A equipe de reportagem também flagrou consumo da droga no túnel sob a Praça Roosevelt, além da concentração de usuários no Largo do Paissandu, em trecho da Avenida Nove de Julho, na Praça Marechal Deodoro e no Túnel Noite Ilustrada (entre Rebouças e Doutor Arnaldo).
Zona Sul
O bairro de Cidade Dutra, na Zona Sul, a cerca de 30 km da cracolândia original, foi um dos pontos escolhidos pelos usuários e traficantes que ficavam na região da Luz para, respectivamente, usarem e venderem o crack.
Diariamente, dependentes concentram-se em praças e edifícios abandonados entre as avenidas Atlântica e Senador Teotônio Vilela. Por conta dos "vizinhos indesejados", quem mora ou trabalha na região evita passar por esses pontos. "O pessoal fica deitado ou espalhado na Atlântica, em grupinhos", relatou um frentista que não quis revelar o nome.
Em Cidade Dutra, viciados usam imóveis e vias para usar o crack (Foto: Paulo Toledo Piza/G1)
Em Cidade Dutra, viciados usam imóveis e vias
para fumar crack (Foto: Paulo Toledo Piza/G1)
Abordagem
Quando a Operação Integrada Centro Legal teve sua fase mais intensa, agentes de saúde relataram que tiveram dificuldades para convencer viciados a se tratarem. "Alguns pensavam que a gente trabalhava com os policiais. Foi uma fase difícil", lembrou a agente Maria Helena de Santana, de 53 anos.
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Essa população, como qualquer outra, também tem direitos. Não só de não ser espancada, mas também de receber tratamento de saúde"
Maria Isabel Campos, coordenadora
de Saúde do Centro Legal
O G1 acompanhou o trabalho dos agentes após o Natal. Em grupos identificados por um colete azul, eles saem pelas ruas e abordam não só os viciados, mas os moradores de rua também. Sem recriminar o usuário pelo vício, procuram monitorar como está a saúde dele e se precisa de algum cuidado, principalmente por conta de doenças.
"Essa população, como qualquer outra, também tem direitos. Não só de não ser espancada, mas também de receber tratamento de saúde", disse a coordenadora da parte de Saúde da operação, Maria Isabel Campos. "Mas só se eles quiserem o tratamento. Não há forçação de barra".
Governo estadual defende PM
O governo estadual defendeu que o uso da PM na cracolândia foi necessário para "quebrar a logística do tráfico de drogas naquela região e resgatar a cidadania". Como exemplo de eficiência, a corporação destacou, em nota, a desobstrução da Rua Helvétia, "que era ocupada por centenas de dependentes químicos". Em nota, apontou ainda que 763 suspeitos foram presos e 211 foragidos, recapturados até 2 de janeiro.
O número de apreensões de drogas na região central, porém, é modesto se comparado a outras ações policiais. Desde o início de 2012, foram encontrados na região cerca de 32,7 kg de crack, 19 kg de cocaína e 48 kg de maconha. Em apenas uma semana da Operação Saturação na Favela de Paraisópolis, na Zona Sul, a PM apreendeu 30 kg de cocaína e 333 kg de maconha.
Para o coronel Benedito Roberto Meira, comandante da Polícia Militar do estado de São Paulo, é preciso haver a ação de outros segmentos para acabar com a região conhecida como cracolândia. "Mas, se não houver internação compulsória, a cracolândia vai se expandir mais", disse Meira.
Há pouco mais de um mês no cargo, ele avaliou que a polícia precisa estar integrada às ações. "O viciado é doente, mas pode ser criminoso também. Quando é viciado somente, a atuação não é da Polícia Militar, mas dos órgãos de saúde porque é uma questão de saúde. Quando passa a ser criminoso, compete à PM agir", afirmou.

Falta de protocolo para tratar viciados dificulta combate ao crack no país

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Conselho de Medicina tem 'diretrizes gerais', mas vê falta de coordenação.
Pacientes gastam R$ 150 mil por mês e se prostituem para obter a droga.

Tahiane Stochero e Glauco Araújo
Do G1, em São Paulo

A inexistência de um modelo de procedimentos a ser adotado no tratamento dos usuários de crack dificulta a recuperação de dependentes da droga no país. Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM), a falta de padrão no atendimento facilita as recaídas e colabora para que um terço dos consumidores morra em decorrência do vício. Para Henrique Batista, diretor do conselho, é preciso montar "uma rede que seja integrada para, em conjunto, dimensionar e combater o problema de forma objetiva".
(O G1 publica, nesta semana, uma série de reportagens sobre o consumo de crack e como é feito o tratamento de dependentes. Foram ouvidos os órgãos públicos responsáveis pelo atendimento aos usuários e pelo combate ao vício, como o Ministério da Saúde e Secretaria Nacional de Segurança Pública, além de pesquisadores, médicos e pacientes. O governo federal liberou recursos para estados e municípios sem conhecer a dimensão do problema.)
"Há várias ações dos estados, dos municípios e da União, mas essas ações ainda não são harmônicas. Não há uma coordenação. Vivemos em uma federação, e cada estado tem suas gestões e políticas de saúde próprias. E isso dificulta o combate", afirma Batista.
Em agosto de 2011, na tentativa de estabelecer normas para tratamento, o Conselho Federal de Medicina apresentou o documento chamado "Diretrizes Gerais Médicas para Assistência Integral ao Usuário do Crack", em que preconiza que o período de internação para "limpeza" do organismo deve durar, no mínimo, de 7 a 14 dias. O texto aponta indícios que devem ser investigados pela equipe médica ao ter contato com o paciente e quais remédios devem ser usados para inibir a vontade de consumir a droga.
A diretriz mostra também a necessidade de um tratamento multidisciplinar, cuidando tanto da parte física quanto das questões psicológicas e de sociabilidade do dependente, na tentativa de prevenir recaídas. O conselho alerta para que os médicos verifiquem outras doenças que possam estar associadas ao uso do crack e orientem o dependente químico da necessidade de conversar em grupos sobre o problema.
Não há uma coordenação. Vivemos em uma federação, e cada estado tem suas gestões e políticas de saúde próprias. E isso dificulta o combate [ao vício em crack]"
Henrique Batista, diretor do
Conselho Federal de Medicina
No mundo inteiro não há protocolo de tratamento para o crack"
Joaquim Melo, da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead)
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Segundo Henrique Batista, a ideia da cartilha é alertar a classe médica sobre o diagnóstico e a importância de uma abordagem que abranja também a família do viciado. "Basicamente a dependência química é um problema médico, mas não existe drogas específicas para tratar o dependente, drogas que tenham comprovação científica e sejam capazes de curar a dependência do crack".
As dificuldades em tratar dependentes de crack, no entanto, não são exclusividade do Brasil. "No mundo inteiro não há protocolo de tratamento para o crack. Nos Estados Unidos os usuários são penalizados. Quando flagrados com a droga, podem optar por serem presos ou internados para tratamento. Aqui no Brasil isso não daria certo. Primeiro, porque não teremos carceragens para isso e nem mesmo clínicas capacitadas para tratá-los", disse Joaquim Melo, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas (Abead).
Em entrevista ao G1 no final de 2012, o professor de psiquiatria da Universidade Baylor de Medicina, Thomas Kosten, disse que uma vacina contra o vício em cocaína deve estar pronta para ser usada em hospitais dos Estados Unidos em até três anos. O tratamento tem função terapêutica e não "previne" o vício, mas fortalece o sistema imunológico do dependente e ajuda a combater o uso da droga. O tratamento, que exigirá cinco rodadas de injeções ao longo de 12 semanas, para que sejam produzidos anticorpos em nível adequado, também vai servir para tratar os dependentes de crack.
Sem definição sobre a maneira mais eficiente de prevenir, recolher, entrevistar e tratar quem usa crack, clínicas particulares e unidades estaduais e municipais adotam normas diferentes de atuação. Também não há banco de dados dos pacientes, com informações interligadas pelo Ministério da Saúde, impossibilitando que médicos conheçam histórico de tratamento e medicamentos usados pelos dependentes com mais de uma internação, por exemplo.
Algumas clínicas apostam na religiosidade ou em doutrinas que buscam inibir o consumo de álcool ou tabaco para convencer o dependente da cura. Outras preveem rotinas de atividades físicas e escolares, horários regrados e alimentação controlada, além do uso de medicação e acompanhamento psicológico.
O valor investido para cuidar dos dependentes também varia: enquanto clínicas particulares chegam a cobrar até R$ 20 mil por cinco meses, clínicas conveniadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) recebem do governo R$ 900 mensais para uma internação básica.
Clínica particular do Grupo Viva atende pacientes de todo o país em tratamento contra o crack em SP (Foto: Tahiane Stochero/G1)
Clínica particular do Grupo Viva atende pacientes
de todo o país, em SP (Foto: Tahiane Stochero/G1)
O cérebro de um dependente químico não funciona de maneira adequada. Muitas vezes é necessária uma medicação para estabilizar a situação e acalmá-lo"
Cláudia de Oliveira Soares, da Clínica Viva
O crack não vê sexo, classe social, cor, religião. Ele pega todo mundo, inclusive você"
Cleber, de 32 anos, internado para tratamento
Avaliação clínica
Tanto nas clínicas públicas – conveniadas ao SUS ou que recebem dinheiro de prefeituras ou do governo federal - como em centros privados, o paciente usuário de crack é submetido a uma avaliação clínica e psiquiátrica logo no início da internação.
O objetivo do procedimento é fazer um diagnóstico das causas que levaram ao uso do crack e outros problemas relacionados, como doenças pulmonares, depressão ou queimaduras. "Já faz tempo que o cérebro de um dependente químico não funciona de maneira adequada. Muitas vezes é necessária uma medicação para estabilizar a situação e acalmá-lo", diz Cláudia de Oliveira Soares, diretora da Clínica Viva, uma das maiores do país no tratamento de dependentes químicos.
Os fatores que levam os usuários de crack a retornar à droga são chamados de "gatilhos": cheiros, lugares, pessoas, qualquer coisa que desperte a vontade de usar a droga. O objetivo dos psicólogos é identificar esses pontos e fazer com que o paciente aprenda a lidar com eles. "Muitos chegam aqui acreditando que é impossível. Nossa missão é mostrar pra eles que é possível ter esperança", diz a psicóloga.
O diferencial entre o tratamento em clínicas pública e privadas consiste basicamente na qualidade e formação dos profissionais envolvidos, nas atividades disponíveis para que o dependente ocupe seu tempo e nos medicamentos utilizados para saciar a vontade de usar a droga, segundo especialistas ouvidos pelo G1.
'País demorou a reagir'
"O crack não vê sexo, classe social, cor, religião. Ele pega todo mundo, inclusive você", diz Cleber, um representante comercial carioca de 32 anos que gastava toda sua renda mensal de R$ 150 mil com o crack até ser internado involuntariamente (a pedido da família) na clínica Viva, em Piedade, no interior de São Paulo.
Cleber, que já havia sido internado outras duas vezes, chamou os pais de "traidores" quando foi forçado a se tratar. Quatro meses depois, vai voltar para o trabalho com vontade de retomar a vida. A família pagou cerca de R$ 20 mil por cinco meses de internação particular.
O crack pegou o governo com as calças nas mãos e o país demorou a reagir. É ainda um desafio para todos, uma doença que não deve ser tratada de forma ideológica"
Ivan Ramos de Oliveira,
diretor do Instituto Bairral
Há preconceito até mesmo entre os usuários. Um olha para outro e diz: 'vem chegando um cracudo brabo aí'"
Paulo Roberto Telles, psiquiatra da UERJ
Já na rede pública, a situação é diferente: o Instituto Bairral, localizado em Itapira (SP), possui 40 leitos destinados pelo SUS para dependentes de crack e recebe do governo federal R$ 900 por mês por paciente, segundo o diretor, o psiquiatra Ivan Ramos de Oliveira. Uma parceria com o governo estadual permite maior aporte de recursos.
"O crack pegou o governo com as calças nas mãos e o país demorou a reagir. É ainda um desafio para todos, uma doença que não deve ser tratada de forma ideológica", diz Oliveira.
Enquanto isso, no ambulatório da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ), o psiquiatra Paulo Roberto Telles já percebe uma queda na procura dos dependentes por ajuda de forma voluntária.
"Houve um período de grande crescimento da demanda de atendimento aqui entre 2006 e 2010, quando mais de 50% dos nossos pacientes eram dependentes do crack. Não tem como saber o motivo, mas a procura por ajuda na enfermaria (para cuidados pontuais) apresenta um declínio, apesar de fraco", pondera. "Há preconceito até mesmo entre os usuários. Um olha para outro e diz: 'vem chegando um cracudo brabo aí'".
'Enxugar gelo'
O crack avançou rápido pelo país devido ao preço baixo, se comparado com outras drogas: uma pedra varia entre R$ 1 e R$ 10.
O pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Francisco Inácio Bastos, coordenador do estudo que pretende apresentar ao governo federal um perfil dos usuários de crack no país, acredita só será possível conter a droga se a polícia parar de "fazer apreensões a granel, de poucas pedras" e tentar "atacar a interface entre o grande atacadista da cocaína e o varejista da pasta base".
O distribuidor, na boca, não é profissional, não tem arma, trabalha para comer e para usar o crack, fabrica a droga em casa, de forma caseira. Apreender pedrinhas é enxugar gelo e inútil"
Francisco Inácio Bastos,
pesquisador da Fiocruz
Regina Miki, secretária Nacional de Segurança Pública, diz que crack é um problema de saúde pública (Foto: Glauco Araújo/G1)
Secretária Nacional de Segurança Pública diz que
crack é um problema de saúde pública e não pode
ser tratado com polícia (Foto: Glauco Araújo/G1)
"O distribuidor, na boca, não é profissional, não tem arma, trabalha para comer e para usar o crack, fabrica a droga em casa, de forma caseira. Apreender pedrinhas é enxugar gelo e inútil", opina.
É totalmente errado usar a polícia para retirar o dependente de crack do local. Quem tem que imobilizá-lo são os profissionais da área da saúde"
Regina Miki, secretária
Nacional de Segurança Pública
Problema de saúde pública
Regina Miki, secretária Nacional de Segurança Pública, admite que o governo errou em tratar o crack como um problema de segurança e não como de saúde pública. As ações policiais, segundo ela, devem ser feitas com a comunidade, após o tratamento dos dependentes.
"Não adianta encher as cadeias de usuários. Hoje vemos que o papel da segurança pública é mais na inteligência, na investigação, na asfixia financeira das organizações criminosas", afirma.
"É totalmente errado usar a polícia para retirar o dependente de crack do local. Quem tem que imobilizá-lo são os profissionais da área da saúde", defende Regina, ao lembrar das operações policiais, como a realizada pela PM na Cracolândia, que em janeiro tentou "limpar" a região da Luz, no centro da capital paulista.
Segundo Regina, "na verdade existia uma concepção mundial de enfrentamento as drogas colocando o usuário como criminoso. Essa cultura sofreu mudanças e evoluções ao longo dos anos e o Brasil também segue essa tendência. O usuário passou a ser tratado não como criminoso e sim como um doente. A ordem é que foi modificada. Antes era primeiro a segurança e depois a saúde, agora é primeiro a saúde e depois a segurança."
Pacientes compulsórios são 'esquecidos'
No Instituto Bairral, que possui 820 leitos para dependência química em Itapira, no interior de São Paulo, há cerca de 40 vagas para dependentes de crack pelo SUS. A taxa de reinternação, pela rede pública, fica em torno de 8%. Já outras unidades recebem pacientes por convênios e particulares e a demanda retraída é imensa. "Sempre há mais de 50 pessoas na fila de espera", segundo o diretor, o psiquiatra Ivan Ramos de Oliveira.
Os casos de internação compulsória são determinados por um juiz, seja referente a presos condenados por crimes ou a pedido da família.
"Quando o juiz determina, o tempo de internação fica muito a critério dele, e isso atrapalha o desenvolvimento do paciente, pois nem sempre corresponde à realidade do tratamento necessário", diz o psiquiatra Marcelo Ortiz de Souza, que administra a unidade de atendimento pelo SUS.
Quando você tá na fissura, usa uma pedra atrás da outra. A sensação boa, a loucura, é instantânea e dura segundos, minutos. Cheguei a usar 50 pedras em um só dia e estourei meu nariz, chegou a sair sangue"
Dependente em crack
Um dos exemplos é o caso de J., de 36 anos, condenado por roubo e suspeita de ligação ao tráfico que, após 1 ano e 6 meses em uma penitenciária, foi transferido, por determinação judicial, para o Bairral, onde está internado há 2 anos e 10 meses. O médico diz que ele já podia ter alta do tratamento há mais de um ano e meio.
"Comecei a usar maconha e cocaína há mais de 20 anos, depois passei para a caspa, era a capa da cocaína, em 1995, semelhante ao crack, que chegou em 2000. Eu conhecia todos os traficantes, era famoso na área, todo mundo me conhecia. Os 'playboys' chegavam com R$ 500, R$ 600 para eu ir com eles na outra favela comprar crack. Com dinheiro grande, eu não comprava em pedra individual, mas em quilo. E eu sempre recebia por isso também em droga. Não gostava de fumar no cachimbo, era na lata mesmo. E ia tudo, até acabar", lembra J., que pediu para não ser identificado.
A Justiça deve rever em breve o caso dele após avaliação médica mostrar que ele já está pronto para retornar ao convívio da sociedade.
"Quando você tá na fissura, usa uma pedra atrás da outra. A sensação boa, a loucura, é instantânea e dura segundos, minutos. Cheguei a usar 50 pedras em um só dia e estourei meu nariz, chegou a sair sangue. Você fica na doideira, acha que as pessoas querem te pegar, que os policiais estão atrás de você. Eu nunca fui de gritar, ficava na minha. Às vezes até dava porrada nos mauricinhos, que ficavam alucinados pensando que tinha polícia por perto", lembra o paciente.
Legislação
A lei 10.216, de 2001, prevê que a internação de portadora de transtornos mentais possa ser realizada de três formas: 1) voluntária, a pedido do dependente químico e aval médico; 2) involuntária, quando não há o consentimento, mas um médico atesta risco de vida ao paciente e, em alguns casos, ocorre a pedido da família e; 3) compulsória, por determinação judicial, ocorre normalmente para casos de menores de idade em situações de rua e também medidas de segurança, como condenações judiciais.
"A legislação é clara, as internações involuntárias e compulsórias só podem ser realizadas quando as outras alternativas faliram. Os casos precisam ser avaliados de forma individualizada. Fora isso, vira uma barbárie", afirma o promotor Arthur Pinto Silva.
'Não vou mais usar droga'
"Eu tive contato com o crack com 13 ou 14 anos. Eu não traficava, eu preferi roubar porque era mais fácil. Há pouco mais de um ano, perdi minha tia, meu irmão gêmeo e meu namorado, com quem estava havia dois anos. Todos foram assassinados por causa da droga", diz Ana Caroline Borges, de 19 anos, que recebeu alta médica do hospital Lacan, em São Bernardo do Campo, no ABC paulista, em outubro passado. Esta foi a oitava vez que ela passou por internação.
Sem contato com a droga há cerca de três meses, ela fez uma promessa ao sair da clínica. "De pé junto, pelo amor de Deus, não vou mais usar droga. Chega dessa tortura, quero poder cuidar da minha mãe, que está morrendo, entrou em depressão por minha causa. Quero sair daqui, arrumar um serviço e voltar a estudar. Quem sabe eu não seja enfermeira", afirma, fazendo menção ao tratamento recebido pela enfermagem da clínica, que a teria inspirado na busca por uma profissão.
Ana Caroline, 19 anos, teve alta e espera conseguir abandonar o crack para cuidar da saúde da mãe (Foto: Glauco Araújo/G1)
Ana Caroline teve alta e espera abandonar o crack para cuidar da saúde da mãe (Foto: Glauco Araújo/G1)
Fábio Nascimento, de 42 anos, também passou por internação no Lacan e disse que tenta deixar o vício, mas tem dificuldade de relacionamento com a filha. "Eu converso com ela, mas é difícil, pois ela não aceita o fato de eu ser um dependente químico. Qualquer pessoa que estiver em uso de crack nunca vai ser um bom pai, um bom filho, um bom marido. Eu fui até o crack. Eu não culpo a sociedade por ser um dependente químico. O crack é um vilão, realmente, entra na vida da gente e a destrói".
Ele diz ter escapado de uma chacina ocorrida em Taboão da Serra (SP), em 1994, quando 12 pessoas foram mortas em uma casa. "Era o local onde eu me reunia com amigos para usar o crack. Por coisa de Deus, fui internado dias antes. Caso contrário eu também estaria morto. Perdi minha namorada e muitos amigos nesta noite", diz Nascimento.
Eles chegam perturbados e as crises de abstinência geram agressividade, insônia, depressão, impaciência e surtos psicóticos. Eles são capazes de fazer qualquer coisa para saciar a vontade
Cláudia de Oliveira Soares, diretora de clínica
Depois que você experimenta uma vez, não quer mais nada. O efeito passa em alguns minutos, aquela onda que te leva, e você quer mais. Meus pais e minha mulher vêm me visitar sempre e pretendo nunca mais usar. É o que eu quero"
Cleber, de 32 anos, internado para tratamento
Com dinheiro grande, eu não comprava em pedra individual, mas em quilo. [...] Não gostava de fumar no cachimbo, era na lata mesmo. E ia tudo, até acabar"
J., de 36 anos, usuário de crack
'Chamei todo mundo de traidor'
A psicóloga Cláudia de Oliveira Soares, diretora da clínica particular do Grupo Viva, que conta com unidades em 12 estados e no Distrito Federal, disse que só vê aumentar a procura por internações involuntárias, em que a família, com aval médico, procura a unidade para internar um parente viciado em crack.
O tratamento custa, em média, R$ 20 mil para cinco ou seis meses. No local, há enfermaria, piscina, sala de estar e de jogos e consultas para reprogramar a mente. O objetivo é não buscar a droga nunca mais e o tempo mínimo de internação é de 90 dias.
"É rotina aqui alguém tentar fugir, agredir um profissional. Eles chegam perturbados e as crises de abstinência geram agressividade, insônia, depressão, impaciência e surtos psicóticos. Eles são capazes de fazer qualquer coisa para saciar a vontade", aponta.
Na sede em Piedade, no interior de São Paulo, estão internados cerca de 70 dependentes de crack, todos involuntários, procedentes de diversos estados e, inclusive, de países como Paraguai e Japão.
"Quando a ambulância chegou a minha casa para me resgatar, eu estava sentado na sala, vendo TV, com a cabeça deitada no colo da minha mulher. Ela e minha mãe começaram a chorar. Eu fiquei irritado, gritei: 'Não coloquem a mão em mim'. Chamei todo mundo de traidor. Eu estava revoltado", diz Cleber, um distribuidor de madeira de 32 anos que gastava no Rio de Janeiro quase todo o salário, de R$ 150 mil mensais, com a droga.
"Epidemia existe, porque a droga está presente em todas as classes sociais, em todos os lugares, em todos os estados, em todos os tipos de extratos sociais", diz Cláudia.
Cleber era usuário de cocaína e alcóolatra até conhecer o crack, em 2002, com um irmão mais novo. Deve deixar a clínica na nesta semana, após quatro meses, entusiasmado para retomar o trabalho. "Para conseguir sair do crack tem que acreditar em algo, se conectar em Deus. Depois que você experimenta uma vez, não quer mais nada. O efeito passa em alguns minutos, aquela onda que te leva, e você quer mais. Meus pais e minha mulher vêm me visitar sempre e pretendo nunca mais usar. É o que eu quero", desabafa.
Jéssica faz tratamento para abandonar o vício do crack, em São Paulo (Foto: Tahiane Stochero/G1)
Grávida, Jéssica faz tratamento para abandonar o vício do crack, em São Paulo (Foto: Tahiane Stochero/G1)
Grávidas dependentes
Em parceria com o Judiciário e o Ministério Público, o Bairral recebe dependentes de crack grávidas, que realizam o tratamento até o término da gestação. Jéssica (nome fictício) foi internada com 17 anos após a mãe procurar o Conselho Tutelar para denunciar que a filha estava se prostituindo para obter dinheiro para a droga.
Grávida de 8 meses de um traficante, Jéssica diz que começou a usar o crack com uma amiga. "Ela me ofereceu e achei instigante. Era curioso, queria saber a sensação, descobrir algo novo, saber o que aquilo tinha de bom. Acabei viciando e queria sempre mais. Contei para meu pai e ele disse que não ia me impedir de usar, porque também usava", conta.
"Larguei a escola e me prostituí para alimentar o vício. Cheguei a fazer programas por R$ 30, R$ 50, gastava tudo na droga depois", lembra.
Jéssica terá alta em breve, após 4 meses internada, e retornará à custódia da mãe, em Jundiaí. "Quero voltar a estudar, trabalhar, cuidar do meu filho e me distanciar dos lugares que me lembram da droga. Vou frequentar os Narcóticos Anônimos e seguir a rotina deles, que aprendi aqui: cada dia depois do outro. Acreditar no lema que, só por hoje, eu não vou usar", acredita ela.
Pai lançou campanha contra as drogras no Facebook após a morte do filho (Foto: Arquivo Pessoal)
Pai faz campanha contra as drogas no Facebook
após a morte do filho (Foto: Arquivo Pessoal)
Os pais têm que ficar atentos, não tem um manual de instrução para saber que o seu garoto está usando crack"
Venicio Guimaraes, pai de vítima do crack
Filho morto motiva campanha
Após perder um filho para o crack, um pai lançou campanha no Facebook chamada "Acorda, juventude".
"Meu filho tinha 30 anos, uma vida confortável, perdeu tudo, dinheiro, trabalho, família, apartamento e, por fim, a vida. Foi morto porque devia aos traficantes. Os pais têm que ficar atentos, não tem um manual de instrução para saber que o seu garoto está usando crack", diz o advogado Venicio Guimaraes.
"Tudo começou com um inofensivo cigarrinho de maconha, uma besteira, mas acabou no crack. Ele vendeu um carro novo e um dia sumiu, não deu mais notícias. Ficamos sabendo depois que foi morto porque devia. Perdi meu filho para o crack", desabafa Venicio.
* Colaborou Aline Lamas
Efeitos do crack - 14_12_2012 (Foto: Editoria de Arte/G1)

Internação compulsória com amparo da lei

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eloisadesouzaFolha de S. Paulo
ELOISA DE SOUSA ARRUDA

O governador Geraldo Alckmin acaba de anunciar que, no Estado de São Paulo, serão criados mecanismos para facilitar as internações não voluntárias de dependentes de crack, particularmente na região central da capital.
É importante esclarecer que essas internações não violam os direitos fundamentais de ir e vir de uma pessoa. Ao contrário, elas podem acontecer para assegurar e garantir os direitos fundamentais à vida, à integridade física do dependente químico e à segurança de todos os cidadãos.
A lei federal 10.216/2001, no artigo 6º, especifica quais os tipos de internação possíveis. Além da voluntária, estão previstas as internações involuntária e compulsória.
Não são raros os casos de mães aflitas que buscam a proteção do Estado para seus filhos que estão mergulhados no submundo das drogas. São histórias dramáticas, que se acentuam em espaços públicos, como o conhecido como cracolândia, na região da Luz, no centro de São Paulo.
Essas mães angustiadas e desesperadas clamam por internação e tratamento dos seus filhos, porque já não são capazes de só ampará-los no caminho de saída do consumo de crack. Essa situação é um caso típico que motiva a internação involuntária.
Mas há também as situações em que as pessoas romperam os laços familiares e estão jogadas nas ruas, sem a possibilidade de decidir com consciência sobre a sua condição de sobrevivência com dignidade. Essa realidade tem sido muito comum na cracolândia.
Muitos dos usuários que ali vivem entram em surto psicótico em face do consumo contínuo e abusivo do crack. Nesse contexto, não têm condições de decidir sobre a submissão aos tratamentos possíveis. Querem continuar usando a droga, mesmo que isso lhes custe a própria vida!
É nesse cenário devastador que a lei prevê a possibilidade de internação compulsória. Ressalve-se, entretanto, que, para que essa internação aconteça, são necessários laudo médico e decisão judicial. Medidas que têm por objetivo resguardar direitos e preservar a vida do cidadão.
A internação nessas hipóteses não impõe violação aos direitos humanos, ao contrário, resguarda-os.
O trabalho de internação compulsória, previsto para casos mais graves, em que a vida e a saúde da pessoa estejam comprometidas, será facilitado na região central de São Paulo com a implantação do programa que o governador anunciou.
Ele envolve não somente as secretarias de Estado da Justiça, de Desenvolvimento Social e da Saúde, como, principalmente, o Poder Judiciário, o Ministério Público e Ordem dos Advogados do Brasil.
Um espaço no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), equipamento da Secretaria da Saúde que funciona no bairro da Luz, vai abrigar referidos profissionais, que se revezarão na análise das situações individuais, devidamente encaminhadas após laudo médico.
Um caminho possível para devolver ao convívio da sociedade aqueles que enfrentam o grave problema da dependência do crack.

ELOISA DE SOUSA ARRUDA, 51, procuradora de Justiça, é secretária estadual da Justiça e da Defesa da Cidadania