Istoé -
A história de superação do Ronaldo tem semelhança com a sua perseverança para continuar jogando depois de se livrar da dependência de cocaína?
Jardel -
Sim, no sentido que, se a gente tiver fé e for atrás, vence qualquer adversário. Estou feliz por Ronaldo ter voltado a jogar e, principalmente, estar se sentindo bem nessa nova fase. É exatamente o que está acontecendo comigo. Os altos e baixos são comuns, principalmente na carreira de um jogador. Comigo, a tristeza e a depressão fizeram com que eu me deixasse levar por gente com energia negativa. E acabei fazendo coisas que não deveria. Mas o mais importante é perceber o que você fez de errado e demonstrar que pode dar a volta por cima. Por isso, o Ronaldo está de parabéns e estou feliz por ele.
Istoé - O que você procurava no álcool e na cocaína?
Jardel -
Eu me tornava um cara confiante. Fico pensando por quê. Mas não sei, não sabia... Por que eu fiz isso? Por que buscava isso? Eu sentia um vazio. E algumas amizades o levam para o mau caminho. Também, depois de dez, 12 anos jogando futebol no auge, como titular, não aceitava ficar no banco. Aí, ficava chateado e usava drogas e bebia. E depois que passava o efeito delas, batia aquela angústia, solidão, tristeza, tudo junto. E consumia mais para sair desse estado. E continuava e continuava. Era uma bola de neve.
Istoé - Quando você experimentou cocaína pela primeira vez?
Jardel -
Foi em 1999. Eu jogava no Futebol Clube do Porto, de Portugal, mas experimentei por curiosidade em uma festa no Brasil. A cocaína destruiu o meu lar, a minha família. A rotina em casa passou a ser de brigas.
Ficava alterado, não cumpria as obrigações como pai. Meus filhos (Jardel Filho, 12 anos, e Victoria, 10, do casamento com a ex-mulher Karen Ribeiro Matzenbacher) sentiam falta do pai. Eu errei com eles. Meus filhos ficaram sabendo no colégio que as pessoas falavam que o pai deles era drogado. Às vezes, eu acordava bom e pensava: "O que estou fazendo na minha vida?" Eu tinha consciência de que eu saía dos trilhos, saía com outras mulheres. Hoje, não tenho muito contato com a Karen.
Istoé - E seus filhos com a Karen, você mantém contato?
Jardel -
Eles moram em Portugal com ela. Logo, logo vou para lá, vou vê-los. Não os vejo há oito meses e estou com saudades. Falamos por telefone, dizem que sentem saudade, eu pergunto como andam no colégio. Enfim, conversa de pai babão. Acabei de ser pai novamente (com a atual mulher, Tatiana Bezerra, 23 anos). A Tainá tem dois meses. A gente tem babá, mas, às vezes, ajudo também.
Istoé - Você já consumiu drogas antes de alguma partida?
Jardel -
Nunca usei cocaína em competição. Nunca! Nunca joguei dopado por ter cheirado. Nunca! Sempre consumia nas férias, para curtir, em Fortaleza.
Istoé - Você fez terapia?
Jardel -
Passei por um psiquiatra. Durante um mês eu conversei com o médico. Tirava algumas dúvidas sobre o porquê de acontecer isso comigo, mas quem ajuda mesmo é a própria pessoa. Não tem esse negócio de ajuda de clínica ou de médico. É a pessoa que tem de bater o pé e pronto.
Istoé - O Adriano, ex-jogador da Inter, de Milão, recusou um tratamento psicológico. Ele largou o futebol na Itália para ficar mais perto da favela onde nasceu, no Rio de Janeiro. Como vê essa decisão dele?
Jardel -
Só o Adriano deve saber o que estava sentindo quando tomou a decisão. Foi carência de alguma coisa. Vejo como uma fuga.
Istoé - A atitude mais correta é parar e colocar a cabeça em ordem?
Jardel -
Treinar e ir para o jogo é também uma terapia. Procurar um terapeuta ou não, depende de como a pessoa acha que pode resolver o seu problema fora do campo. Estou torcendo para que o Adriano dê a volta por cima, faça como o Ronaldo.
Istoé - Alguém da sua família teve histórico de consumo de álcool ou alguma outra droga?
Jardel -
A bebida era um mal de família. Meu pai e minha mãe bebiam.
Istoé - Seu corpo dava sinais de que você deveria parar de vez?
Jardel -
Claro! Quando acordava mal, com depressão, era meu organismo que estava destruído. Eu pedi muito a Deus para ele me dar forças, luz, para eu conseguir reagir. Pegava a Bíblia, ajoelhava, orava e chorava. Não virei evangélico. Vou à igreja uma vez ou outra. Tenho minha fé pessoal.
Istoé - Como adquiria a cocaína?
Jardel -
Tinha gente que levava até mim. O cara tinha o meu telefone, eu tinha um ou dois dele. Em Portugal, eu consumia em casa noturna.
Istoé - Gastou muito com farra?
Jardel -
Sim. Com festas, noite, mulheres. Cheguei a gastar R$ 2 mil por noite. Com drogas, não, porque ou usava pouco ou me davam
Istoé - Qual foi sua maior extravagância?
Jardel -
Certa vez, fiquei oito dias acordado depois de uma farra com mulheres, bebidas, cocaína, em Fortaleza. Já estava separado e, nessa época, todo dia era uma mulher diferente.
Istoé - Há quanto tempo você se considera um ex-viciado em cocaína?
Jardel -
Há mais ou menos um ano e meio decidi que não queria mais. Foi força de vontade. Fui me afastando dos diabinhos na minha vida.
Istoé - O Casagrande internou-se para tratar do vício em drogas e está voltando a ser comentarista esportivo.
Jardel -
Não dá para pensar que se livra facilmente da cocaína. É uma luta diária, que não acaba nunca. Eu conheço o Casagrande. Ele é uma boa pessoa.
Istoé - A tentação ainda o cerca?
Jardel -
Sim. O diabo manda seus mensageiros para me atiçar. Você tem de ser forte. Ainda tem gente que aparece e diz: "Quer um pozinho? Dar uma cheiradinha?" Já solto logo um palavrão, o bicho pega para quem se atreve. E só bebo socialmente.
Istoé - Em 2002, você tinha muita chance de ser convocado para a Copa do Mundo. Não ter sido o deixou mais deprimido?
Jardel -
Eu fiquei péssimo, péssimo por não ter sido convocado pelo Felipão para a Copa de 2002. Mesmo assim, torci por ele e pelo Brasil.
Istoé - Mas esse fato contribuiu para o seu vício?
Jardel -
Sim, com certeza contribuiu. Porque fiquei mais deprimido, triste.
Istoé - Como nasceu essa depressão?
Jardel -
Foi um pacote de coisas ruins. O meu processo de separação, a minha não convocação para a Copa e o fato de eu jogar pouco no Bolton (time inglês que ele defendeu em 2003).
Istoé - Há vaga para o Ronaldo na Seleção?
Jardel -
Tenho quase certeza de que o Ronaldo vai para a Copa no ano que vem. Eu era reserva dele. Por isso não jogava: ele era o fenômeno.
Istoé - Quem é melhor: você ou ele?
Jardel -
Eu sou tipo bananeira, paradinho dentro da área. Dentro dela eu sou melhor do que o Ronaldo. Não tenho dúvida nenhuma, não!
Istoé - Se, hoje, você estivesse jogando como na época da Copa de 2002, você teria vaga na Seleção do Dunga?
Jardel -
Sem dúvida nenhuma, sim!
Istoé - Por que o Felipão não o convocou?
Jardel -
Não sei. Nunca perguntei a ele. Acho que seria antiético da minha parte. Mas falta de gol não foi.
Istoé - Você guarda mágoa dele?
Jardel -
Não. As pessoas fazem opções na vida. Apesar de eu ficar de fora sendo o artilheiro da Europa, torci por ele. E o Felipão mereceu.
Istoé - Você vai jogar no Olaria, da segunda divisão do Rio de Janeiro?
Jardel -
Um dirigente me procurou. Um grupo de empresários comprou o clube e ficamos de conversar.
Istoé - O mal dos atacante brasileiros, hoje, parece ser o peso. Você tem feito algum tipo de preparação física?
Jardel -
O Jardel aqui está comendo buchada, essas coisas bem leves, sabe? Estou em forma... de bola! Estou brincando: tô no peso. Tenho treinado, estou jogando bola no meu campo quase todos os dias. Perdi sete quilos, estou com 88 quilos. Não estou 100% fisicamente, mas...
Istoé - Não precisa correr muito para fazer gol. Veja o Romário.
Jardel -
Preciso correr não, cara! Resolvo dentro da área! Dentro dela, sou um matador, um leão. Fora da área, sou um gatinho.
Istoé - Está perto da aposentadoria?
Jardel -
Penso em jogar mais dois ou três anos e depois talvez fazer um curso para treinador ou empresário. Não tenho histórico de lesões. Preciso que o treinador confie em mim e me coloque para jogar.
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