Jornal O Estado de S. Paulo - Danilel Martins de Barros
Quem conversa com dependentes químicos frequentemente ouve a seguinte
explicação para sua incapacidade de conter o impulso de usar a droga:
“É um demônio que toma conta de mim, parece que eu não sou eu. Isso é coisa do capeta”.
Se desde os primórdios da história os homens põe a culpa pelas suas
bobagens no além – a Ilíada registra que Agamenon sequestra a amante de
Aquiles e depois diz que o fez por ter sido possuído por espíritos, isso
ocorre porque há situações em que se experimenta uma verdadeira perda
de controle. O nível de desconexão entre as intenções e os atos se torna
tão intenso que tem-se a sensação de que alguma força externa está no
comando.
O caso das drogas é característico. Inicialmente usadas por trazerem
sensações de prazer, progressivamente esse bem estar se perde, e em mais
ou menos tempo
a pessoa se vê compelida a usar a droga não mas para se sentir bem, mas
apenas para deixar de se sentir mal. Mais curioso ainda é o caso de
alguns psicotrópicos sintéticos que não dão prazer algum, mas levam os
sujeitos a repetir seu uso de forma contínua, tornando-se dependentes.
O querer e o gostar, tem-se descoberto, são coisas diferentes, não só
do ponto de vista psicológico, mas em suas próprias raízes cerebrais.
Há muito se sabe que o neurotransmissor dopamina é liberado em
atividades prazerosas, levando as pessoas a repetirem-nas alimentação,
sexo e até mesmo solução de problemas trazem um sensação boa, e tendem a
ser repetidas. Nem é necessário explicar que o ganho evolutivo por trás
disso é evidente, pois nossos antepassados que gostavam mais de comer,
de se reproduzir e de resolver os desafios da sobrevivência deixaram
mais descendentes. Mais recentemente, contudo, cientistas vêm mostrando
que a dopamina não marca o prazer em si, mas a importância daquele
comportamento, levando a pessoa a repeti-lo. Por isso, drogas que levam à
liberação artificial da dopamina geram a compulsão por seu uso –
independente da sensação que produzam. Inversamente, experimentos com
ratos revelaram que mesmo com bloqueio artificial da ação da dopamina
eles conseguem ter prazer em substâncias (como os cientistas sabem que
eles gostaram do que provaram? Contando o número de vezes que eles
lambiam os beiços, um marcador de prazer que está presente até mesmo em
nós, humanos).
Essa compulsão sem prazer, desmascarada agora pelos cientistas, já
fora descrita por C. S. Lewis, coincidentemente (ou não) no livro Cartas
de um diabo a seu aprendiz, no qual narra as lições de um demônio
experiente a seu jovem sobrinho. Numa das referências que faz ao prazer,
o velho diabo ensina que a forma de atazanar os humanos é gerar “Um
aumento considerável no desejo pela obtenção cada vez menor do prazer
relacionado é a fórmula! Isto dá mais resultado, e é portanto o melhor
estilo a adotarmos. Conseguir a alma do homem dando a ele NADA em troca é
o que realmente aquece o coração de Nosso Pai Lá de Baixo”.
A neurociência vem mostrar que o desespero dos dependentes químicos
pode até não ser “coisa do demo”. Mas ouvindo o relato deles e lendo
essa descrição do C. S. Lewis, temos de convir que a armadilha da
dependência parece, por assim dizer, diabólica.
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